Papel Cult

Melhores discos brasileiros de 2015

Porto Alegre - RSPor mais que eu tenha, digamos… um certo ceticismo (benéfico, é bom que se diga) na cena independente brasileira, 2015 foi um ano relativamente bom no meio musical. Tivemos alguns lançamentos interessantes, a nova vanguarda paulista se consolidando, cada vez mais, como um movimento forte, a ganhar gradativamente os ouvidos do mundo, ótimos festivais, como o Novas Frequências, que atualmente é o grande reduto da música de vanguarda brasileira; ou seja, foi um ano favorável. Não há muito do que reclamar.

Pois, comparando com os anos anteriores, este certamente foi o período que mais me dediquei aos lançamentos nacionais, tentando, aos poucos, ampliar o meu interesse e depositar maior atenção à cena, a exemplo do que ocorre nas grandes e pequenas publicações internacionais. Desta forma, listo aqui o meu top anual em progresso até atingir o número de 100 álbuns, com comentários breves sobre os 10 primeiros colocados.

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10. Satanique Samba Trio – Mó bad

Novo álbum do grupo brasiliense Satanique Samba Trio. A fórmula é a mesma presente na discografia da banda, um regimento estranho e desorganizado do samba-jazz, algo que em nada lembra a gênese artística do gênero. O que o grupo faz aqui, na verdade, me parece a elaboração de um possível universo paralelo onde, o samba, ou melhor, a brasilidade em si, se desenvolveu de modo distinto, de forma meio defeituosa e exótica, sob uma carcaça bizarra da MPB que conhecemos.

Muito mais experimental do que o comum, porém utilizando-se de elementos populares da música brasileira, Mó bad é uma reformulação estética, uma proposta peculiar e interpretativa de algo que, bem… sempre fez mais sucesso lá fora do que propriamente no Brasil. Adicionando contornos de rock progressivo e avant-garde jazz, esse novo trabalho me parece até mesmo superior aos outros da banda.

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9. Trupe Chá de Boldo – Presente 

O melhor representante da vanguarda paulista nesse ano de 2015. Melhor, até mesmo, que o disco-retorno de Elza Soares; a propósito, Presente, em determinados momentos, acaba lembrando vagamente (em seu instrumental soul-festivo) os primórdios da própria Elza. Se a nossa versão feminina de Louis Armstrong, regida pelos principais nomes da vanguarda paulista, descambou no quasi-experimentalismo de samba-rock, os paulistas da Trupe resolveram se aproximar mais de um clima de festa. Uma confraternização surrealista, porém.

A acessibilidade, aqui, não funciona como demérito, como pura entrega, e sim como um atributo de contágio, um adoçante sonoro à solenidade climática que o disco transmite. Enquanto Elza entrega-se mais ao contexto dramático e intenso de sua mulher do fim do mundo, um ato rebelde e emotivo; a Trupe, por sua vez, propõe uma celebração de recomeço, de vínculo e partida (a partir) do término. Nas palavras do próprio grupo: o fim é só o começoDepois disso, bem… entramos em um ciclo comemorativo.

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8. Desatino – Entreguerras

Primeiro álbum de estúdio da banda campinense Desatino, é curioso como esse disco passou relativamente despercebido, até mesmo, pelas publicações mais voltadas à divulgação de conteúdo. Entreguerras se assemelha bastante aos principais lançamentos internacionais que, recentemente, tem optado pelo ressurgimento da mistura post-rock + real emo noventista, assim como vertentes mais aproximadas ao rock alternativo (lê-se post-hardcore).

Cantando completamente em português, Entreguerras tem uma produção que surpreende pra uma banda independente, oscilando entre uma estética progressiva, próxima a de um post-rock, com momentos ambient e alguns interlúdios, porém jogados sobre um contexto mais popular, com aditivos eletrônicos e que funcionam muito bem, sem soar de modo perdido ou mal utilizado. Certamente uma banda nacional para ficar de olho nos próximos anos.

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7. Floema – Ishtar

“Ishtar […] é a deusa da fertilidade, do amor, da guerra e do sexo. Com o poder de gerar orgias ou guerras, ela compreende o erotismo em seu belo e em seu destrutivo, um misto de sagrado e profano no qual danças também podem ser batalhas.”

Primeiro álbum de estúdio do produtor Guilherme Boldrin, a mente que assina com o nome Floema, Ishtar, diferente de seu primeiro lançamento, o EP Ferrugem (2013), um dos melhores discos nacionais daquele ano, se constrói através de uma atmosfera mais nebulosa e enigmática, conduzindo o ouvinte pelos contornos da dualidade, dos sentimentos e sentidos rasteiros. Pois, atravessando uma linha sensorial entre o supremo e o mundano, Guilherme vem se consolidando como o representante brasileiro mais próximo que temos de um Haxan Cloak.

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6. Juçara Marçal, Thomas Harres & Kiko Dinucci – Abismu

Disco ao vivo gravado por membros do Metá Metá e Passo Torto (Juçara Marçal e Kiko Dinucci) e da banda Letuce (Thomas Harres), Abismu se sai incrivelmente melhor do que tudo que ambos os grupos lançaram esse ano. Sendo, portanto, um disco colaborativo (e completamente improvisado, é importante dizer) durante um evento denominado Pulso, que ocorreu em São Paulo, no Red Bull Station, Abismu demonstra a força que os três músicos possuem em cima do palco.

Com o título retirado de um filme do cineasta Rogério Sganzerla, O Abismo, de 1977, o Abismu (enquanto disco) também carrega consigo uma espécie de espetáculo marginal, mas que agradavelmente se resume, tão somente, à abordagem intensa e significativa que a palavra possui, quase como um emprego adjetivo, limitando-se apenas ao campo estético, sensorial, não-discursivo. Ora, mas não é isso que importa?

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5. Ava Rocha – Ava Patrya Yndia Yracema

Ava Rocha se revela muito mais do que “apenas a filha do cineasta Glauber Rocha”, assim como o seu disco, Ava Patrya Yndia Yracema, não é meramente um dos melhores álbuns brasileiros do ano, mas um dos melhores lançamentos de 2015. Caminhando entre a psicodelia e o samba-jazz, Ava Patrya faz da musicista um dos nomes mais promissores da nova música popular brasileira.

Se a MPB, até então, se encontra (encontrava) num limbo de artistas pariformes, Ava certamente surge como uma alternativa fora do centro, muito mais interessante e com ideias melhores a contribuir com a nossa música.

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4. Lingering Last Drops – Waterstains 

Waterstains é um bom exemplo de como se fazer música alternativa no Brasil, isso sem, obviamente, se render aos estereótipos e brasilidades que a maioria dos grupos acabam se submetendo. Banda paulista, com relativo tempo de estrada (e já alguns discos lançados), Lingering Last Drops é mais um caso de como a crítica nacional não funciona, ou pouco mostra interesse pelo o que acontece no underground.

Sem necessariamente ser uma banda completamente experimental, mas com um pé no inusitado, o Lingering Last Drops atribui uma modernidade que falta à música brasileira, assumindo um som acima de tudo contemporâneo, instigante, que flerta principalmente com o rock psicodélico, adicionando elementos de shoegaze e música eletrônica. Uma grata surpresa, que deveria receber mais destaque das publicações brasileiras.

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3. Fabiano do Nascimento – Dança dos tempos

Certamente um dos álbuns mais elegantes de 2015. Fabiano do Nascimento, em colaboração com Airto Moreira, um dos nomes mais importantes da nossa música (ex-membro do Quarteto Novo, Return to Forever e integrante do Weather Report durante os anos 70), fazem de Dança dos Tempos um registro extremamente técnico, mas sob uma carga emotiva e nostálgica a lembrar os tempos áureos da história da música nacional.

É uma pena que, não só de hoje, mas em todo o seu processo evolutivo, obras como essa sejam melhor apreciadas e recepcionadas pelos olhares de fora, algo que não ocorre com tanta dedicação em solo nacional. Dança dos Tempos é o primeiro trabalho de um músico que, já em seu debut, nos mostra um potencial absurdo. A exemplo do seu companheiro Airto, Fabiano pode ganhar o respeito do mundo, mesmo que, nesse mundo, o Brasil tenha uma parcela menor de participação.

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2. Gudicarmas – Dharma

Debut de uma banda pernambucana de rock progressivo que tem, como grande inspiração, o movimento brasileiro conhecido como “Udigrudi”, movimento esse que teve como alguns dos seus principais integrantes os músicos Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e a banda (infelizmente) pouco conhecida Ave Sangria. Pois o Gudicarmas consegue incorporar a temática brasileira e as características estilísticas do movimento de um jeito perfeitamente natural, espontâneo, diferente da funcionalidade adornante que domina boa parte da MPB contemporânea.

Também é possível identificar a exploração de elementos nordestinos que lembram o sentimento tão característico dos integrantes desse movimento, indo dos mais variados ritmos, desde o baião, presente em faixas como Eu, Ela e o Mar”,  até o dub e o reggae, mais fácil de identificar em passagens de “Palácio de Paloccis”, segunda faixa do álbum. Dharma, neste caso, não é somente um bom disco, mas um importante lembrete de um movimento que não teve tanto alarde quanto outros que tivemos em nossa história, mas que também gerou músicos igualmente importantes.

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1. Milton Nascimento & Dudu Lima Trio ‎– Tamarear

Milton conseguiu mais uma vez, transformou a música em espetáculo incomum, que transcende e afaga o espírito. Junto ao trio, basicamente de jazz, do baixista Dudu Lima, que já possui em sua bagagem colaborações com músicos nacionais de peso, como Hermeto Pascoal e João Bosco; e também internacionais, como Jean Pierre Zanella e Stanley Jordan, Milton cria, junto a Dudu Lima, uma nova abordagem para suas próprias canções, essas da época nostálgica do excepcional Clube da Esquina, dividindo com alguns momentos inéditos, como ocorre na belíssima faixa-título, em uma alusão a Dorival Caymmi e aos 35 anos do TAMAR, um projeto conservacionista brasileiro, que luta pela preservação de espécies ameaçadas de extinção.

A voz de Milton pode não ser a mesma de outrora; no entanto, Bituca ainda a utiliza com extrema emoção. Tão deslumbrante quanto as versões originais do Clube, as novas canções ganham contornos jazzísticos que, antigamente, eram menos característicos; em certos momentos também é possível identificar uma sonoridade meio pós-rock, principalmente quando Dudu Lima conduz a atmosfera da canção em longas tomadas instrumentais, sustentando uma obra que se constrói colossalmente, em tamanho e beleza. Como exposto, Milton pode não ser o mesmo, e seria ingenuidade esperar tanto, mas o novo Milton certamente está ciente dos seus limites, e com isso age em temperança, sabendo como domar a música em prol da excelência, da graciosidade que sempre lhe foi tão característica.

“Se Deus cantasse, seria com a voz de Milton.”

Elis Regina estava (e continua) certa. Não há como discordar.

[Top 100 com a capa dos discos]

Top 100 – (Em progresso)

1. Milton Nascimento & Dudu Lima Trio ‎– Tamarear

2. Gudicarmas – Dharma

3. Fabiano do Nascimento – Dança dos tempos

4. Lingering Last Drops – Waterstains

5. Ava Rocha – Ava Patrya Yndia Yracema

6. Juçara Marçal, Thomas Harres & Kiko Dinucci – Abismu

7. Floema – Ishtar

8. Desatino – Entreguerras

9. Trupe Chá de Boldo – Presente

10. Satanique Samba Trio – Mó bad

11. Elza Soares – A mulher do fim do mundo

12. Dead Limbs – Lighthouse

13. Ricardo Donoso – Saravá Exu

14. Jaloo – #1

15. Descartes – Ensaio

16. Duda Brack – É

17. Tulipa Ruiz – Dancê

18. Feijão Coletivo – Feijão coletivo

19. Liniker – Cru

20. Juçara Marçal & Cadu Tenório – Anganga

21. Forró RED Light – Regional digital lumiado

22. Baleia – Ao vivo no Maravilha8

23. Esquizophanque – Trio elétrico fantasma

24. Monochaotique – Perceptions & Delusions

25. Karina Buhr – Selvática

26. Cadáver em Transe – Cadáver em transe

27. Vitor Almeida Lopes – Lara Kraft

28. Theoria – Vamos desistir do Brasil

29. Boogarins – Manual, ou guia livre de dissolução dos sonhos

30. Gorduratrans – Repertório infindável de dolorosas piadas

31. Cássia Eller – O espírito do som, Vol. 1 – Segredo

32. Instituto – Violar

33. Kovtun – Androginóforo

34. Metá Metá – Metá Metá

35. Solda – Trauma

36. Tomodachi – Segundo

37. Bruno Cosentino – Amarelo

38. Negro Leo – Niños Heroes

39. Aláfia – Corpura

40. Bixiga 70 – Bixiga 70

41. Passo Torto & Ná Ozzetti – Thiago França

42. Cidadão Instigado – Fortaleza

43. Zélia Duncan – Antes do mundo acabar

44. Synonyms of Torment – Leaves

45. Vitor Almeida Lopes – Obrigado

46. Kovtun – En vivo en Montevideo

47. Aline Lessa – Aline Lessa

48. Helio Flanders – Uma temporada fora de mim

49. Bemônio – Desgosto

50. Afogado e Oprimido – EP

51. Siba – De baile solto

52. Horyzon – Horyzon

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